//
2025
jun
03
Doutorado

Projeto de pesquisa usa musculação para reabilitar corações

Aparelhos alinhados, anilhas organizadas, halteres prontos para mais um treino. Mas o que acontece ali, em silêncio e suor, ultrapassa as repetições físicas. Corações frágeis ganham fôlego em um projeto de pesquisa ousado, conduzido pela Universidade Católica de Brasília (UCB), que vem mudando a vida de pacientes com insuficiência cardíaca, usando como principal ferramenta o treinamento resistido, a musculação. 

Os treinos acontecem às terças e sextas-feiras, das 9h às 11h, no Laboratório de Estudos de Força (LABEF) da UCB, localizado no campus de Taguatinga. As rotinas dos pacientes são acompanhadas de perto por profissionais de educação física e supervisionadas pelo doutor e médico cardiologista Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, docente do Programa de pós-graduação stricto sensu em Educação Física e em Gerontologia e da graduação de Medicina, professor pesquisador responsável pelo projeto “Reabilitação de Pacientes com Insuficiência Cardíaca com o Treinamento Resistido”.  

Na prática, a iniciativa conta com execução técnica de uma equipe multidisciplinar que une médicos e profissionais de educação física em torno de um objetivo comum: provar que o exercício, quando bem dosado e monitorado, pode ser tão eficaz quanto um medicamento. A pesquisa segue em andamento e está recebendo novos pacientes. Interessados em participar podem entrar em contato com a equipe pelo e-mail robson.csilva@a.ucb.br. 

No centro da operação, está o pesquisador e doutorando Robson Conceição Silva, 29 anos, que transita com naturalidade entre os artigos e os halteres do dia a dia. “Costumo dizer que o exercício é como um remédio. O que define se ele será veneno ou cura é a dose”, afirma Robson, com a segurança de quem equilibra o conhecimento da educação física com o rigor do método científico. 

Força como remédio 

A proposta é simples, mas poderosa: dividir os pacientes em dois grupos e submetê-los a 12 semanas de treinamento resistido, com avaliações clínicas antes, durante e depois doprograma de reabilitação. Um dos grupos treina com carga moderada, 60% de uma repetição máxima, enquanto o outro utiliza cargas mais leves (20% de uma repetição máxima) com uma técnica chamada restrição de fluxo sanguíneo, que simula esforço intenso através de manguitos posicionados nas partes proximais dos membros superiores e inferiores restringindo o fluxo arterial (50% de restrição do fluxo sanguíneo). A comparação entre os métodos revela como o corpo reage a estímulos diferentes, mas com um mesmo propósito: ganhar aptidão cardiorrespiratória, força muscular e qualidade de vida. 

“Há muito tempo se dizia que quem tem problemas cardíacos deveria evitar o esforço físico. A gente está mostrando o contrário: que ele pode e deve treinar, desde que com acompanhamento adequado e as cargas do treinamento sejam monitoradas”, explica Robson.  

Encaminhados por médicos da rede pública do Distrito Federal, os pacientes passam por uma triagem rigorosa. Avaliações de força, composição corporal, exames laboratoriais e ecocardiogramas ajudam a compor o perfil clínico e funcional de cada participante. Após essa análise, começa o treinamento. Semana a semana, os pacientes são acompanhados de perto, e os resultados começam a aparecer — não apenas nos exames, mas no humor, na disposição, na forma como encaram o mundo. 

Vida em movimento 

Entre os pacientes que tiveram suas vidas transformadas pelo projeto está Marcos Antônio Ferreira da Silva, de 69 anos. Após sofrer dois infartos e conviver com apenas 20% da capacidade cardíaca, Marcos foi encaminhado ao Hospital do Guará, onde começou um acompanhamento especializado. 

No início do ano passado, Marcos chegou ao LABEF, como parte da primeira turma do estudo. Carregava consigo o receio comum entre os pacientes cardiopatas: o medo de que o esforço físico pudesse agravar seu quadro. “A gente chega muito inseguro, né? Porque tem vários mitos, né? Ah, o coração não aguenta fazer esforço e tal”, lembra. Mas o acompanhamento clínico constante e a atuação de profissionais capacitados transformaram o medo em confiança. 

Com o avanço do treinamento e a regularidade nos treinos, Marcos viu sua função cardíaca evoluir: de 34% para 38%, depois para 43%. “Na minha faixa etária, a partir de 50% já não é mais considerado insuficiência cardíaca”, explica, animado com a progressão. Para ele, a evolução física veio acompanhada de uma mudança de mentalidade: passou a se ver não como um paciente limitado, mas ativo e em pleno processo de superação. 

Hoje, ele mantém a rotina de exercícios em uma academia fora da universidade, acompanhado pelo mesmo educador físico que conheceu no projeto, além do cardiologista responsável. Pratica atividades todos os dias, incluindo hidroginástica, caminhada e musculação. E levou consigo a família: esposa e filho também aderiram à nova rotina. “A gente tem esse compromisso que ficou melhor para a gente ajustar no horário de almoço. Então, de segunda a sexta, eles estão comigo lá.” 

Marcos também passou a ser uma referência para outros participantes. Recentemente, retornou ao LABEF para compartilhar sua história com novos pacientes — muitos ainda receosos com os limites do próprio corpo. “Inclusive, vim aqui essa semana dar o testemunho para o pessoal que começou agora”. 

Apesar de nunca ter se imaginado em uma academia, hoje se sente à vontade no ambiente, colhe os ganhos físicos e lamenta apenas não ter sido liberado ainda para voltar a pedalar, uma de suas paixões. “Mas fora isso, não me impede de nada do que eu desejo fazer.” 

A melhora na saúde cardiovascular impactou diretamente também sua vida profissional. Corretor de seguros e gestor de contratos, Marcos tem dias cheios e produtivos, que começam às seis da manhã e só terminam à noite. “Hoje eu esqueço que vivo com essa condição de cardiopata, por definição. Mas não me impede de fazer nada.” 

Ao falar sobre o peso psicológico do diagnóstico, ele destaca uma mudança importante de perspectiva: “O mito era de que, quando você sofre um infarto, acabou a vida. Vai morrer a qualquer momento. E eu aprendi aqui que, se o paciente cumpre todo o protocolo, ele não vai morrer disso.” 

Nova chance para recomeçar 

Ao apresentar sintomas comuns, mas persistentes, Ednéia Maria dos Santos chegou ao programa. Depois de anos trabalhando como cuidadora de idosos, ela começou a notar os primeiros sinais de que algo não ia bem. “Eu tinha uma vida normal, trabalhava, e no decorrer do tempo, depois de mais ou menos 12 anos, eu comecei a sentir falta de ar, comecei a inchar os pés, depois as pernas, me sentindo fraca e indisposta.” 

Sem conseguir andar nem 100 metros, Ednéia decidiu procurar ajuda médica. Após exames detalhados, o diagnóstico veio: insuficiência cardíaca, com apenas 33% da função do coração preservada. Sem estrutura adequada para emergências, a clínica particular que a acompanhava indicou que ela buscasse um hospital público. Foi aí que surgiu o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) e, com ele, a oportunidade de conhecer o projeto de reabilitação. 

Mesmo tendo participado de apenas três sessões até agora, ela já percebe avanços — inclusive no dia a dia. “Casas, atividades, eu já estou até andando em bicicleta, então pra mim está maravilhoso.” 

Moradora de Águas Lindas/GO, no Entorno do DF, ela viaja quase uma hora até o laboratório da UCB, mas diz que todo o esforço tem valido a pena. “No início eu ficava colocando obstáculos: ‘ah, é longe’, ‘é contramão’, ‘tenho que sair muito cedo de casa’. Mas depois eu pensei, não, a gente tem que perseverar.” O desejo agora é seguir até o fim. “A expectativa é continuar aqui. Até enquanto o projeto estiver, estou por aqui. E depois que acabar, pretendo continuar fazendo os exercícios, sim. Gostei muito.” 

Histórias como a de Marcos e Ednéia estão espalhadas pelo projeto. Pacientes que vêm de longe (Águas Lindas, de Formosa, de Planaltina de Goiás) enfrentam quilômetros para participar da pesquisa. “Isso é o que mais mexe com a gente”, conta Robson. “É gratificante, mas também triste. Porque mostra como falta esse tipo de projeto em outras regiões.” 

Ele ainda faz questão de destacar o papel da equipe multidisciplinar. “Essa comunicação é essencial. Não existe espaço para vaidade na reabilitação. O médico precisa conversar com o profissional de educação física, que por sua vez precisa ouvir o nutricionista. Só assim a gente consegue dar ao paciente o que ele realmente precisa.” 

Pesquisador, especializado em treinamento físico, mestre e agora no doutorado, Robson procura mais do que títulos, parece acumular é a convicção de que ciência se faz com gente. “A gente não está aqui apenas para publicar artigos. Cada paciente que entra é uma vida que está sendo transformada. E esse é o real retorno social que a pesquisa tem que oferecer”, afirma. 

Publicado por Lorenna Kuroda
Skip to content