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Uma notícia sobre os supostos riscos da aspirina gerou grande preocupação nos últimos meses, especialmente em pacientes que usam o medicamento diariamente, com prescrição médica, para prevenir infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Mas será arriscado mesmo? Na verdade, não é bem assim. Segundo uma pesquisa da Universidade Católica de Brasília (UCB) em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), foi comprovado que os riscos são praticamente nulos, menos do que 0,1%.
Vamos do começo: um artigo foi publicado por pesquisadores da Universidade de Leuven, Bélgica, na revista ESC Heart Failure, da Sociedade Europeia de Cardiologia. Consta que a aspirina aumentaria em 26% o risco de insuficiência cardíaca, além de ser ineficaz na prevenção do problema. A notícia caiu como uma bomba entre cardiopatas no mundo todo que usam o medicamento para evitar a criação de coágulos e, consequentemente, o infarto.
Contudo, o método usado na pesquisa foi questionado pelo professor Luiz Sérgio Carvalho, do curso de Medicina da Católica de Brasília. Juntamente com uma equipe que incluía pesquisadores da Unicamp e UFRGS, Carvalho notou que a investigação foi baseada na análise inadequada de uma base de dados de pacientes. Os cientistas de Leuven examinaram dados de milhares de pacientes sem o cuidado de rastrear o motivo da prescrição médica ou se a administração da aspirina era como recurso de tratamento ou prevenção de doenças no coração. “Não havia nenhum protocolo para iniciar aspirina, então a decisão era totalmente baseada em critérios não objetivos”, explica. “Este tipo de desenho de estudo (observacional) permite apenas associar e não afirmar que uma coisa causa outra”.
Segundo o professor, o ideal seria trabalhar com dois grupos: um deles receberia o remédio e o outro tomaria placebo, mas ninguém saberia se estava recebendo o medicamento verdadeiro ou o falso, chamado de controle. Além disso, deveria haver distinção entre pessoas com histórico de doença coronariana as que nunca tiveram diagnóstico. Dessa forma, seria possível analisar a evolução dos dois grupos e determinar se, de fato, existe uma relação de causa entre o uso de aspirina e as complicações cardíacas.
Sem esses cuidados, explica o professor da UCB, pode haver a falsa impressão de que o comprimido está causando dano ao coração, quando na verdade “isso pode ser simplesmente porque as pessoas que receberam a prescrição de aspirina já possuíam (antes de receber a aspirina) risco maior de desenvolver insuficiência cardíaca”.
A contestação do estudo europeu por parte dos pesquisadores da Católica de Brasília foi baseada em na análise de diversos estudos randomizados, aqueles que dividem os indivíduos em grupos que tomam o remédio ou o placebo – a metodologia correta. Ao todo, 40.418 pacientes sem doença cardíaca foram acompanhados em média por 2 anos. A principal conclusão foi de que a probabilidade da aspirina aumentar o risco cardíaco em até 20% é menor do que 0,1%. Bem diferente do que o alarmante valor de 26% sugerido pelos belgas. “A importância de nosso artigo é principalmente para destacar que relação causal entre aspirina e insuficiência cardíaca é muito improvável”, comenta Luiz Sérgio Carvalho,
Dessa forma, os pacientes que usam o medicamento com prescrição médica e na dosagem correta não precisam se preocupar, porque o risco de complicação é mínimo. Já os fatores positivos são comprovados tanto por pesquisas científicas, quanto pelos efeitos observados em casos clínicos há décadas, no mundo todo. A recomendação do professor para pacientes cardíacos “é sempre seguir seu médico. E aqueles que ficaram com medo do risco de insuficiência cardíaca ao ler matérias que circularam na mídia leiga (a respeito do artigo belga), podem ficar tranquilos pois esse risco é remoto”, conclui.