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2025
jun
16
Projeto de Pesquisa

Musculação para o coração: quando o exercício vira remédio 

Durante muito tempo, o esforço físico foi considerado um risco para pessoas com doenças cardíacas. A recomendação era de repouso, longe da academia. Mas uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Católica de Brasília (UCB) propõe uma reavaliação desse entendimento. O projeto, coordenado pelo cardiologista e professor Luiz Sérgio Fernandes de Carvalho, “Reabilitação de Pacientes com Insuficiência Cardíaca com o Treinamento Resistido”, utiliza a musculação como ferramenta de reabilitação para pacientes com insuficiência cardíaca. 

“A musculação precisa ser vista muito além da estética, especialmente nesses casos”, afirma o professor, que atua nos cursos de Medicina, e nos Programas de Pós-graduação em Educação Física e em Gerontologia da UCB. “Quando os músculos estão mais fortes, eles ajudam o coração a trabalhar com menos esforço. Isso melhora a circulação e a eficiência do corpo em usar oxigênio, o que é essencial para um paciente com insuficiência cardíaca.” 

O protocolo de treinos ocorre no Laboratório de Estudos de Força (LABEF), no campus de Taguatinga, e é dividido em dois grupos: um utiliza cargas moderadas (cerca de 60% de uma repetição máxima), e o outro realiza exercícios com cargas leves, associados à técnica de restrição de fluxo sanguíneo (RFS). “A RFS engana o corpo. Mesmo com pouco peso, o músculo acredita que está sob grande esforço. Isso gera adaptação muscular sem sobrecarregar o coração, o que é ideal para nossos pacientes”, explica Carvalho. 

Antes de iniciarem os treinos, os voluntários passam por exames que avaliam a função cardíaca e a qualidade de vida. Durante as sessões, são monitorados batimentos cardíacos, pressão arterial, oxigenação e percepção de esforço. Ao final de 12 semanas, todos os testes são refeitos. A proposta é demonstrar cientificamente que o exercício controlado pode ser eficaz como parte do tratamento clínico. Os primeiros resultados apontam nessa direção. 

Da overdose de anabolizantes ao treino supervisionado 

Rodrigo Amaral, de 43 anos, é um dos participantes da pesquisa. O histórico com musculação começou cedo. “Minha relação com a musculação se iniciou aos 18 anos. Depois de dois anos treinando, comecei a usar anabolizantes e suplementos com incentivo de amigos. Eles diziam que eu ganharia força e ficaria mais musculoso mais rápido”, conta. Segundo ele, as doses foram aumentando com o tempo. “No início, usava pequenas quantidades, mas depois passei a consumir com mais frequência e em maiores dosagens, inclusive anabolizantes de uso veterinário.” 

Por anos, não apresentou efeitos colaterais. Mas aos 40 anos, após um treino intenso com o uso de altas doses de anabolizantes e cafeína, Rodrigo passou mal. “Foi às 11 da manhã. Só procurei atendimento médico às 19 horas. Descobri que tinha tido um infarto e fui diagnosticado com insuficiência cardíaca. Não imaginava que o uso de anabolizantes poderia causar isso.” 

A rotina mudou completamente. “Não podia mais trabalhar, treinar ou viver como antes.” O encaminhamento para o projeto da UCB veio por meio de um cardiologista. “Ele me incentivou a participar para melhorar a qualidade de vida e tentar retomar algumas atividades. No início, não tive muita expectativa, estava muito debilitado. Mas com minha insistência e o apoio da equipe, percebi que eu podia sim voltar a treinar.” 

Hoje, Rodrigo integra o grupo que utiliza a técnica de restrição de fluxo. “Comecei a ver mudanças reais. Voltei a treinar todos os dias, faço natação, boxe, comecei a dormir melhor e a ansiedade passou.” Com base na própria experiência, ele deixa um alerta: “A saúde vai muito além de um corpo bonito. Quem tem insuficiência cardíaca pode e deve procurar especialistas e pessoas qualificadas para ajudar a superar o medo e ter uma vida melhor.” 

Novos caminhos para a reabilitação cardíaca 

Segundo o professor Luiz Sérgio, objetivo é levar os protocolos da UCB para unidades públicas de saúde. “Se os resultados continuarem positivos e o protocolo se mostrar seguro e eficaz, queremos expandir. Isso exigiria treinamento de profissionais e adaptações, mas é uma meta possível.” 

A longo prazo, os dados podem contribuir para a revisão de diretrizes clínicas. “Com evidências robustas sobre os benefícios do treinamento de força, especialmente com RFS, os profissionais de saúde podem se sentir mais seguros para recomendar esse tipo de exercício como parte do tratamento.” 

Publicado por Lorenna Kuroda
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