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2025
jan
16
Saúde

Karatê contra a depressão: corpo, alma e espírito integrados

Bianca Lozeros, 28 anos, carrega na cintura um símbolo de maturidade, realização pessoal e superação. A faixa preta no karatê Shotokan veio depois de um período difícil, que contrasta com a proposta de cuidado com o corpo a mente, parte da filosofia da arte marcial. A depressão a manteve longe do esporte por sete anos. “Eu estava, assim, tipo me sentindo morta em vida”, ela conta. “Eu estava só caminhando, eu não estava sentindo nada, eu não estava sentindo prazer em nada, alegria em nada.” O reencontro com a luta aconteceu na Universidade Católica de Brasília, depois de trancar o curso de Arquitetura e Urbanismo pela segunda vez devido ao problema emocional.

Essa não foi a primeira vez que o karatê a ajudou com problemas de saúde. Aos 11 anos, Bianca estava com anemia profunda. Em meio ao tratamento, uma das coisas que gostava era de assistir filmes de luta. Era fã de Jackie Chan e outros lutadores famosos do cinema. Tinha vontade mesmo de fazer kung fu para imitar os ídolos, mas na falta de alguém que a treinasse na luta chinesa, contentou-se com a japonesa mesmo. Começou na escola, despretensiosamente, e logo descobriu que tinha talento. “E eu me encontrei no karatê. Foi um alimento para a minha alma, sabe? Eu me senti muito viva quando eu comecei”, relembra.

Depois de sete anos e de ter passado pelos dojôs de três senseis, alcançou a faixa marrom, a segunda maior graduação da modalidade. Foi nessa época que a depressão chegou. Bianca estava terminado o ensino médio e o fim da adolescência trouxe desafios que ela, talvez, não estivesse pronta para enfrentar. A pressão do vestibular, da escolha da profissão e as responsabilidades da vida adulta a desestabilizaram. Nem mesmo no tatame ela se sentia bem. Era a aluna mais graduada da turma, a única adulta em meio às crianças. Sentia-se sozinha, sem um oponente que a motivasse a treinar. Resolveu parar.

Nesse tempo, decidiu que seria arquiteta. Passou no vestibular e se dedicou bastante. Trancou o curso uma vez, já deprimida, mas se esforçou para voltar. Entrou para a empresa júnior de arquitetura, a Entre, e chegou a ocupar o cargo de presidente. Estava aos poucos se refazendo quando veio a pandemia de Covid-19. O isolamento sanitário agravou os sintomas depressivos. “Foi por um excesso de coisas que eu estava fazendo, e tudo no remoto. Mudou da noite para o dia” relata. “Eu surtei. No finalzinho do ano de 2020 eu já não estava mais funcionando, o cérebro para e não tem o que fazer.” Trancou o curso de novo.

Bianca tinha vontade de voltar para o karatê, mas faltava ânimo para seguir. Procurou um antigo sensei, mas sentia que não cabia mais naquele tatame. Decidiu retomar os estudos em 2023. Um dia, durante o almoço em um dos restaurantes da Católica de Brasília, sem querer começou a prestar atenção na conversa em uma mesa de professores. Pensou ter ouvido falar de luta, de tatame, de projeto, de treino. Quando escutou a palavra “karatê”, teve certeza do que estavam falando. Levantou-se e interrompeu a conversa. Quis saber dos detalhes.

Eles falavam do projeto Universidade Ativa, criado para incentivar os funcionários da Católica a praticarem atividades físicas. Uma das modalidades era o karatê, comandado por Gidalti Guedes, professor de lutas no curso de Educação Física. Hoje o projeto aceita estudantes e egressos, mas, à época, era exclusivo para funcionários. No entanto, a empolgação de Bianca comoveu o professor e ele a acolheu. “Eu estava pedindo para Deus que eu pudesse voltar, que fosse perto de onde eu estivesse trabalhando”, recorda Bianca. “Ele acabou fazendo o melhor, ele trouxe para onde eu estava estudando, eu nem precisava sair da Católica”.

Gidalti explica a razão de Bianca ter melhorado tanto com a prática do karatê. Um dos ensinamentos da arte marcial é o zanshin, o princípio da atenção plena. O praticante é desafiado a estar presente, a viver a experiência da aula de modo pleno, integrando corpo, alma e espírito. “Desse modo, o pensamento não se perderá em devaneios do passado (remorso ou culpa) e também não estará cativo do futuro (insegurança e ansiedade)”. Ao vivenciar o presente, com o atenção direcionada para os riscos e as oportunidades de agora, valoriza-se a visão dos detalhes e do todo. “Quando isso ocorre, o praticante toma maior consciência de si mesmo e identifica percepções e sentimentos inapropriados”, ensina o sensei.

O dojô Hien Kan Karatê tem um significado ímpar na trajetória de 17 anos de Bianca no karatê, incluindo o período de afastamento. O fato de fazer parte de um projeto criado em prol do bem-estar das pessoas cria uma áurea especial. “É gratuito. O sensei faz voluntariamente. Começou por causa da pandemia mesmo, porque os funcionários estavam tendo problemas psicológicos, por causa do isolamento, a ter problema de saúde física também. Então veio para ajudar mesmo”.

Bianca se renova cada vez que entra no dojô. “Só de sentir o cheiro do tatame…”, aqui ela faz uma pausa e respira fundo. “Já teve várias vezes que eu vim só para sentir o cheiro do tatame mesmo, porque já dá uma diferença. A gente sente a energia e o espírito que fica aqui dentro, sabe?” Já faz um ano e meio que ela vive essa experiência. Não é muito tempo, principalmente se levar em conta que ficou sete anos parada. Mas foi o bastante passar o exame de faixa, a faixa preta, da Confederação Brasileira de Karatê. Um sonho que tinha ficado para trás, mas a espera, na opinião de Bianca, foi necessária para que ela amadurecesse. O plano é seguir treinando. Agora com uma carga de responsabilidade maior porque a faixa preta, ela explica, “cobra maturidade, cobra responsabilidade. Então a gente cresce muito com isso”.

Publicado por Samuel Siqueira
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