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Com apenas 22 anos, o biomédico Guilherme Varejão, da Universidade Católica de Brasília, venceu o principal prêmio de iniciação tecnológica do país com uma pesquisa que desenvolve um curativo inteligente à base de nanofibras
Foi nos laboratórios do campus Taguatinga da Universidade Católica de Brasília (UCB) que o biomédico brasiliense Guilherme Varejão Silva Pasqual começou a desenhar, ainda na graduação, uma pesquisa que atravessaria fronteiras e o colocaria entre os jovens cientistas mais promissores do país. Aos 22 anos, ele é o vencedor nacional da categoria Bolsista de Iniciação Tecnológica do 22º Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica do CNPq, um dos reconhecimentos mais importantes da ciência brasileira, que será entregue na 77ª Reunião Anual da SBPC, em Recife (PE), entre os dias 13 e 19 de julho.
A conquista coroa uma jornada iniciada na graduação em Biomedicina, consolidada no mestrado em Ciências Genômicas e Biotecnologia e projetada para o futuro com a bolsa de doutorado já garantida. O programa da UCB é o único na área com nota 7, a pontuação máxima na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). É um percurso que fala de excelência acadêmica, de dedicação, curiosidade e da potência transformadora da pesquisa científica feita nas universidades brasileiras.
“Tudo começou por incentivo dos professores”, conta Guilherme. “No início, eu achava que a pesquisa era algo distante, difícil de entrar. Mas quando fui acolhido pela equipe da professora Simoni, percebi que havia um espaço real para mim ali. Me apaixonei pelo laboratório.” O que era para ser uma iniciação científica virou rotina de dedicação diária. Ainda na graduação, ele passou a realizar análises microbiológicas, produzir nanofibras e entender como diferentes materiais poderiam colaborar na cicatrização de feridas crônicas – problema de saúde pública que atinge milhares de brasileiros.
A pesquisa evoluiu. Ao lado da orientadora, professora Simoni Campos Dias, e do coorientador Rubén Darío Díaz-Martin, Guilherme passou a integrar um projeto que une inovação tecnológica e aplicabilidade prática: o desenvolvimento de um curativo inteligente, feito a partir de membranas de nanofibras com propriedades antimicrobianas e regenerativas.
“Não foi um projeto simples. Ele exigiu muita leitura, muitos testes e, principalmente, paciência”, diz Simoni. “Mas o Guilherme sempre se destacou pelo comprometimento. Ele é daqueles alunos que querem entender o porquê de tudo. Não executa apenas, ele pensa, propõe, pergunta.”
A ciência das nanofibras
No centro da pesquisa que levou Guilherme Varejão ao reconhecimento nacional está a criação de um curativo inteligente: uma membrana composta por nanofibras de poli(álcool vinílico), um polímero sintético, e quitosana, substância de origem natural extraída da casca da ostra. Essa estrutura atua como suporte para a regeneração celular e carrega dois ativos com ação antimicrobiana – o antibiótico ciprofloxacino e o peptídeo sintético Mastoparano-MO, uma molécula inspirada nas toxinas produzidas por vespas e modificada em laboratório para maior estabilidade.
“É basicamente um curativo, onde a gente tem como veículo uma membrana de nanofibra que vai mimetizar a matriz extracelular. Essa fibra funciona como o alicerce de uma casa: as células conseguem migrar até ela e crescer. Isso acelera a regeneração do tecido”, explica Guilherme.
A inovação, segundo os pesquisadores, está na composição da fibra e na liberação controlada das substâncias ativas. O material foi testado com fibroblastos (células essenciais no processo de cicatrização) e obteve resultados promissores: 95% de viabilidade celular, demonstrando segurança e compatibilidade biológica, além de ação efetiva contra bactérias como Staphylococcus aureus e klebsiella pneumoniae, responsáveis por infecções persistentes e resistentes.
A pesquisa mira feridas de difícil cicatrização, como as que afetam pacientes diabéticos e vítimas de queimaduras extensas. Em casos graves, quando enxertos se tornam inviáveis, a amputação ainda é a solução adotada pelo sistema de saúde. “O objetivo é propor uma solução real para feridas crônicas, principalmente em pacientes com diabetes ou queimaduras, que muitas vezes não cicatrizam com facilidade. Com esse material, a gente consegue atuar em duas frentes: acelerando a regeneração da pele e combatendo infecções ao mesmo tempo”, completa Guilherme.
Para o coorientador Rubén D. Díaz-Martin, a proposta se destaca não apenas pela inovação, mas pela maturidade tecnológica. “Nós estamos trabalhando realmente com nanotecnologia que está bem perto da aplicação. A gente faz nanomateriais para que eles, daqui a pouco, se tornem um produto viável, com impacto real no mercado e nas problemáticas sociais”, afirma.
Uma construção coletiva
A trajetória de Guilherme também revela um aspecto essencial da ciência: a natureza colaborativa. O projeto é desenvolvido em parceria com outras instituições, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de Brasília (UnB), além do apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF). A próxima etapa, que envolve testes em modelos animais, será feita em colaboração com o curso de Medicina Veterinária da UCB, com foco em feridas em equinos.
“É uma construção a muitas mãos, mas com um objetivo muito claro: levar esse produto para quem precisa. Queremos sair do laboratório para a vida real e o Guilherme entendeu isso desde o início”, diz Simoni.
O prêmio do CNPq
Em 2024, a pesquisa já havia recebido o título de melhor trabalho de iniciação científica do Distrito Federal, reconhecimento que abriu caminho para a candidatura ao prêmio nacional. Entre mais de 600 indicações de todo o país, o trabalho de Guilherme foi um dos nove escolhidos pelo comitê do CNPq. “Foi uma surpresa. Eu já estava feliz por ter sido indicado, mas não esperava vencer. Quando saiu o resultado, fiquei em choque. É um reconhecimento imenso não só para mim, mas para toda a equipe”, conta o pesquisador.
Com o prêmio, Guilherme garantiu uma bolsa para ingressar diretamente no doutorado. Para isso, trabalha para finalizar o mestrado ainda neste ano. A meta é clara: aprofundar os estudos em materiais inteligentes, ampliar os testes pré-clínicos e aproximar ainda mais a ciência das demandas do sistema de saúde. “O desafio agora é transformar esse reconhecimento em continuidade. Quero contribuir com soluções reais, que cheguem aos hospitais, que façam a diferença na vida dos pacientes”, afirma.
Iniciação Científica
A história de Guilherme é exemplo de como a iniciação científica pode ser uma porta de entrada para carreiras de excelência, mesmo em um cenário muitas vezes desfavorável à ciência. Em tempos de cortes orçamentários e desvalorização da pesquisa, a trajetória do jovem brasiliense reafirma o papel das universidades, dos programas de fomento e do trabalho conjunto entre professores e estudantes. “Esse prêmio mostra que é possível fazer ciência de ponta no Brasil, dentro das nossas instituições, com criatividade, rigor e colaboração”, diz Rubén.
Entre aulas, ensaios e análises estatísticas, Guilherme viveu a realidade de muitos estudantes de iniciação científica. Estudava pela manhã e passava tardes e noites no laboratório: “Por vezes, eu fico sozinho no laboratório, mexendo com minhas bactérias, e eu falo: que interessante a possibilidade que eu tenho de ajudar muitas vidas aqui, com essas pipetadinhas que eu estou dando agora”.
A orientadora confirma: “Trabalhar com iniciação científica demanda muito tempo. Os experimentos não acontecem sozinhos. Tem que vir, colocar as bactérias para crescer. E o Guilherme assumiu a iniciação científica como parte do curso dele”.
A iniciação científica foi, nas palavras do próprio Guilherme, um divisor de águas. “Me proporcionou crescer muito profissionalmente. Eu consigo conversar de coisas que, a priori, eu nunca imaginei que conseguiria. Acredito que isso vai agregar muito para o meu futuro”.