Por Lorenna Kuroda e Bárbara Fragoso
No cenário global da ciência, poucas publicações têm o peso simbólico e técnico do periódico científico Nature Reviews Microbiology, dedicado a artigos de revisão sobre microbiologia. Publicar ali é sinônimo de reconhecimento entre os melhores. Agora, um grupo de pesquisadores exclusivamente brasileiros ocupa esse espaço de destaque. Liderada pelo cientista e pesquisador Octávio Franco, professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) e vinculado ao programa de pós-graduação stricto sensu em Ciências Genômicas e Biotecnologia, a equipe assinou um estudo pioneiro que propõe um sistema de classificação para peptídeos antimicrobianos, moléculas produzidas por organismos vivos promissoras no combate às superbactérias.
O feito, inédito para uma equipe composta apenas por brasileiros, não é somente um marco acadêmico, é o sinal de que o Brasil pode liderar frentes de pesquisa de impacto mundial. O estudo foi feito por cinco pesquisadores brasileiros, incluindo Nelson Oliveria Júnior, Camila Souza, Danieli Bussini e Marlon Cardoso, além do professor Octávio, vinculados à UCB e à Universidade Católica Dom Bosco, localizada em Campo Grande/MS.
A pesquisa apresenta uma proposta de classificação que pode orientar trabalhos em todo o mundo. “A partir desse momento, todas as outras pesquisas no mundo vão seguir a classificação e os mecanismos de ação que a gente ofereceu para a comunidade científica. É como se a gente tivesse criado um roadmap (roteiro) para que cada pesquisador possa olhar e falar assim: ‘talvez, o melhor caminho seja este’”, afirma Franco.
O estudo indica uma relevante solução de gerar novos antibióticos que possam usar mecanismos de ações diferentes para quebrar as superbactérias. “Hoje, temos superbactérias no mundo inteiro. Em cada dia, a gente encontra o que a gente chama de outbreak, que é uma quebra de resistência. As pessoas começam a tomar antibióticos e, de repente, aparece uma superbactéria que não é controlada por mais nada”, explica Franco.
A publicação nessa revista renomada exigiu um processo rigoroso, que não requer apenas o envio da pesquisa. “Primeiro, você é convidado e segue um protocolo. Depois, ocorre uma avaliação. No nosso caso, durou quase um ano e sete meses, com 17 versões diferentes, nos quais a gente foi realmente colocado à prova.”
Para além dos artigos: a Peptidus
Além da carreira acadêmica, Franco é cofundador da startup Peptidus, que fica no Parque Tecnológico de Brasília (Biotic), criada em 2020 em parceria com o ex-aluno da UCB Bernardo Petriz. A empresa nasceu, segundo ele, para “fazer a ponte” entre a pesquisa e o mercado. “A gente descobriu que existem várias lacunas a serem resolvidas. E a gente utilizou, com a Peptidus, novas plataformas de inteligência artificial para gerar essas moléculas”, ressalta, ao revelar que a equipe aprendeu a criar várias plataformas de inteligência artificial para gerar moléculas específicas para cada problema”.
Ao colecionar inúmeras conquistas nos últimos anos, a Peptidus foi selecionada para participar da Singapore Week of Innovation and Technology (SWITCH 2024), representando o Brasil em um dos maiores eventos de inovação da Ásia, com apoio da Embaixada do Brasil, Sebrae e Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Também foi finalista no Animal Health, Nutrition & Technology Innovation Europe 2025, sendo a única representante brasileira entre 16 finalistas, conquistou destaque nacional como uma das dez startups mais inovadoras do Brasil em 2025, segundo o prêmio Global Tech Innovator, da revista Exame e participou do Hello Tomorrow Global Summit em Paris e da BIO International Convention 2025 em Boston, onde apresentou projetos como MastPep (antimicrobiano para mastite bovina), Derma Healing (cicatrizante para pets) e SlimPep (peptídeo para controle de obesidade em animais de companhia).
A solução para a mastite bovina, inflamação da glândula mamária da vaca, é, inclusive, um dos projetos mais próximos de chegar ao mercado. “Criamos uma tecnologia verde que pode ser aplicada no animal, não causa efeitos colaterais e desaparece em menos de 24 horas, sem deixar resíduos. Assim, o leite pode ser consumido já no dia seguinte, sem qualquer problema”, afirma Franco.
Ponto de partida
A trajetória do professor Octávio Franco na ciência começou de forma inusitada. Primeiro, foi aceito para ocupar a função de faxineiro de um laboratório no Ceará, em meados dos anos 90. O ponto de virada veio quando recebeu a tarefa de cortar raízes de feijoeiro para uma pesquisa sobre salinidade e fome no Nordeste. O esforço rendeu sua primeira promoção. “Foi meu primeiro cargo científico. E de lá pra cá eu não parei mais”, diz com orgulho.
Franco vê o cenário científico brasileiro com otimismo: “Acho que hoje nós estamos numa ascendência independente de governos. Sobre a UCB, ele afirma: “Hoje nós estamos entre as melhores do país, sem dúvida nenhuma. Fomos o primeiro curso nível 7 da história em uma universidade privada, hoje nós temos uma equipe ultra-qualificada para anti-infectivos, para vesículas, para agronegócio e nós temos uma estrutura invejável.”
Vislumbrando o futuro da ciência, o docente acredita que a inteligência artificial vai acelerar de forma inédita o desenvolvimento de novos fármacos: “Hoje, com a inteligência artificial e com o treinamento, a gente vai levar de 3 a 4 anos.” Ele também aposta em avanços para doenças incuráveis, no manejo do envelhecimento e até na recuperação de espécies extintas.
Sua motivação, no entanto, vai além dos resultados. “Se eu errar, alguém morre, se eu acertar, um monte de gente pode se beneficiar. É sobre fazer algo que vale a pena viver e é por isso que eu estou aqui”, conclui.