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2010
dez
01

A grande montanha de lixo

Acordar cedo, arrumar as crianças, levar para a escola e seguir um caminho de terra, 20 minutos a pé. Destino: lixão. Na Estrutural, Maria Regina de Souza, 28 anos, há três anos cata latinhas, cobre e, às vezes, papel branco. Faz isso todos os dias. 

 

Às cinco da tarde, já de saída, mostra o que conseguiu encontrar: mais de 30 latinhas, alguns pedaços de cobre, arame e pouco papel. Coloca o saco cheio e pesado nas costas e se despede. Mas ainda é cedo, dezenas de pessoas ainda estão no meio do lixo, muitos adultos e poucas crianças. Todos buscam algo para levar para casa.

 

Com o cheiro forte e insuportável de tanta sujeira a presença de insetos só aumenta. Toneladas e mais toneladas de lixo chegam a todo instante. A cada minuto, dez caminhões lotados de detritos entram no reservatório, despejam o resíduo e logo partem. Para piorar a sensação, um engarrafamento se forma a cada 20 segundos: muito barulho.

 

O número de crianças que trabalha como catadores é grande. A cada 20 pessoas, seis são meninos e meninas. Gabriel de Araújo da Silva, 12 anos, cursa a sexta série pela manhã. À tarde, segue para o emprego precoce. “Minha família precisa de mim, meu pai trabalha de pedreiro e minha mãe tem problemas de saúde, sou o filho mais velho e tenho que ajudar.” Muitas das crianças trabalham exclusivamente para ajudar na renda familiar e largam a infância e estudos pela própria sobrevivência.

 

Saúde em segundo plano 

Em meio às bactérias, lixos tóxicos, produtos estragados, os catadores não têm outra escolha. Sem luvas e sem proteção alguma mergulham de cara na montanha suja que se aglomera. Abrem as sacolas, mexem, procuram algo de valor e as fecham novamente. Alguns ratos passam despercebidos e logo encontram um local para se esconder. 

 

Sem medo das doenças, Maurício Ferreira de Araújo, 35 anos, não se preocupa em se proteger. “Me importo  pouco, não penso em colocar luvas e nem máscara, me preocupo mesmo em encontrar latinhas.” 

 

No fim de tarde, das 16 pessoas que se encontravam vasculhando o lixo, apenas uma, Maria das Dores, estava com luvas. Mesmo aparentando cansaço – não parava de olhar no relógio, eram 17h30 – nem ela nem os outros pensavam em ir embora. Os sacos enchiam rapidamente. Nesse horário, caminhões e carroças tão esperados pelos catadores não param de chegar.

 

A enfermeira Helen Teixeira trabalha há mais de um ano no posto regional da Estrutural. Ela afirma que as doenças vindas de pessoas que lidam com o lixão são constantes, como a escabiose, doença de pele contagiosa causada por um ácaro, comum em ambientes lotados ou com pouca higienização. Outro mal comum, a furunculose se caracteriza pelo aparecimento de furúnculos, um processo inflamatório causado por infecção. A cada dia mais de cinco casos dessas e outras doenças aparecem no posto. Sem contar as emergências, como machucados graves, doenças de pele, todos vindos do mesmo local: do lixão.

 

O descaso e a acomodação  

O lixão está na Estrutural antes mesmo da criação da cidade, e com o número de invasões dos próprios catadores de lixo o espaço aumentou consideravelmente em menos de 10 anos. Muitos governos entraram e saíram e nada foi feito. A maioria dos habitantes sobrevive com a renda que consegue adquirir com o lixo, mas muitos, ainda assim, vivem em situações precárias.

O administrador regional, Maurizon Abadio Alves, recebe todos os dias reclamações referentes ao acúmulo de lixo. Ele garante aos moradores que os problemas estão prestes a terminar, mas na verdade nada pode fazer.

 

Perto do lixo, Marta Helena dos Santos, 62 anos, moradora da cidade há mais de 12 anos, sofre todos os dias com o mau cheiro e a sujeira inacabável. “É incrível como os governadores, deputados, nunca aparecem aqui. Vejo um descaso tão grande, somos seres humanos também, precisamos de um pouco de atenção.” 

 

Com problemas de saúde e já muito debilitada, Marta não tem outra escolha a não ser esperar. A esperança é que um dia possa sair pela rua e ver apenas crianças brincando em meio a um jardim cheio de flores, em uma grande praça, e lembrar que  houve um lixão bem perto de casa, mas que foi levado para longe. 

 

É pouco provável que o desejo de Marta realmente aconteça. Diversas cidades de Brasília descarregam na Estrutural todo tipo de detrito que se possa imaginar. Apesar da aparência de caos, é preciso ter nas mãos uma autorização do responsável pelo lixão para jogar o entulho. 

 

A marca do lixão é tamanha que, com o passar dos anos, o local passou a ser referência sobre a Estrutural. Mas só o lixo. Os trabalhadores, os catadores, passam despercebidos pelas autoridades. 

Publicado por Tiago Mendes

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