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Grupo pesquisa musgos encontrados nos polos Norte e Sul do planeta. Estudos indicam potencial para tratamento de câncer, combate a bactérias resistentes, uso industrial e no agronegócio. Duas bolsistas do Prouni integram a equipe
Pesquisadores da Universidade Católica de Brasília (UCB) partirão neste mês para uma expedição científica no Círculo Polar Ártico. Eles fazem parte do projeto de pesquisa Briotech, que estuda briófitas, musgos nativos do Ártico e da Antártica com potencial para aplicação desde a indústria cosmética até o tratamento de câncer e o melhoramento genético na agricultura. A equipe, formada por dois professores e duas estudantes de graduação, ambas bolsistas integrais do Prouni, fará a coleta de espécimes na Lapônia finlandesa e sueca. Os cientistas sairão de Brasília em 26 de julho e retornarão em 9 de agosto. O grupo de pesquisa coletará amostras que depois serão cultivadas em laboratório para extração de compostos com interesse biotecnológico.
O projeto é parte dos programas de pós-graduação stricto sensu em Ciências Genômicas e Biotecnologia e em Gerontologia, ambos da UCB. Em anos anteriores, foram realizadas cinco missões para a Antártica e duas para o Ártico. Inclusive, os pesquisadores da UCB participaram da primeira expedição científica brasileira ao Norte gelado, em 2023. Comparar amostras de diferentes regiões do dos polos Norte e Sul permite “entender um pouquinho melhor como elas, como grupo, se comportam, como são as variações que elas têm de informação genética, como isso se relaciona com outras plantas, inclusive de interesse econômico para a gente, como soja, milho, feijão, arroz”, afirma o coordenador da pesquisa, Marcelo ramada.
Os cientistas já encontraram, por exemplo, extratos contendo substâncias com potencial para combater tumores em testes de laboratório; moléculas que protegem esses musgos do congelamento e podem ser usadas no desenvolvimento de lavouras resistentes a geadas; outros componentes que defendem as espécies contra a radiação solar constante nos verões polares e podem dar origem a protetores solares não poluentes; fungos produtores de pigmentos naturais podem ser úteis para produção de tintas, corantes alimentícios e cosméticos.
Para além das atividades científicas, a missão tem caráter diplomático. “Faremos uma visita à Embaixada Brasileira, na Finlândia, e teremos um encontro com o Embaixador Luís Balduíno”, conta Ramada. “Além da visita à Embaixada, darei uma palestra para os pesquisadores locais na Universidade de Helsinque, em Vikki, na Finlândia, sobre o Programa Antártico Brasileiro, sobre a pesquisa que estamos desenvolvendo e sobre possíveis parceria em projetos futuros”, completa.
Ramada, conta que o Briotech está em fase de construir parcerias com universidades de sete países Árticos (Canadá; Dinamarca, por meio da Groenlândia; Estados Unidos, pelo estado do Alasca; Finlândia; Islândia; Noruega; e Suécia) para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas. “Inclusive, eu irei para o Canadá, provavelmente, no final de setembro ou final de outubro para conversas com pesquisadoras de três universidades parceiras”, conta.
Duas estudantes de graduação da Universidade Católica de Brasília (UCB) partirão da jornada ao Círculo Polar Ártico. Thaissa Mendes, 22 anos, vai para o oitavo semestre de Farmácia. Ela estudou a vida toda em escola pública e concluiu o ensino médio no Instituto Federal de Goiás em Luziânia, juntamente com um curso técnico em Química. Começou a graduação em 2022, como bolsista integral do Prouni. De Luziânia para Taguatinga, segue uma rotina cansativa, “todos os dias de ônibus para a UCB em uma viagem de quase duas horas para ir e mais duas para voltar. Isso é um desafio para mim, tendo em vista que esse tempo de deslocamento é um tempo em que eu poderia estar produzindo algo no laboratório”, conta.
A expedição ao Ártico será a primeira vez de Mendes no exterior. Também será a primeira viagem de avião. “Poder viajar para outros países, coletar as amostras em campo e entender de perto como que a ciência acontece fora do laboratório amplia muito minha visão como estudante e como pessoa”, relata empolgada. “Quando entrei na UCB, pensando em oportunidades acadêmicas, experiências científicas, laboratórios equipados e contato com professores cientistas, não imaginava que um dia iria viajar para o exterior em parceria com a instituição”.
Apaixonada pela área, ingressou no programa de iniciação científica logo no segundo semestre do curso. Ao longo dos anos, no Briotech, ela ficou responsável pelo cultivo in vitro de algumas espécies de musgos vindos da Antártica e do Ártico, como a Polytrichum juniperinum, do hemisfério Sul, e a Sanionia uncinata, trazida do Norte. Atualmente, trabalha na produção de biomassa a partir da segunda espécie, coletada na última expedição da UCB ao Ártico. “Essa biomassa poderá ser utilizada em estudos, como a análise de metabólitos da espécie, visando possíveis aplicações biotecnológicas”, explica.
Ela conta que as briófitas encontradas nos polos do planeta são plantas adaptadas a condições de frio intenso, longos períodos de exposição solar no verão e outras condições extremas. Para sobreviverem, elas desenvolveram moléculas que lhes conferem a resistência necessária nesses ambientes. “Essas moléculas podem ser muito interessantes do ponto de vista farmacológico para o desenvolvimento de novos antibióticos e antitumorais”, exemplifica. “Isso tudo está ligado à atuação do farmacêutico”.
Maria Karollina Gonçalves, 30 anos, queria estudar Medicina, mas se encontrou mesmo na Odontologia. Estudou em um cursinho on-line preparatório para o Enem, era o que conseguia pagar à época. Começou a graduação em 2022, aos 27 anos, também com bolsa de 100% do Prouni. “Eu vejo essa oportunidade como algo muito grande”, comemora. “Não é todo dia que um aluno da Odontologia, vindo de escola pública e que começou a graduação depois dos 25 anos, tem a chance de participar de uma pesquisa como essa e ainda com uma viagem para fora do país.” Será a primeira experiência fora do Brasil e ela está ansiosa para “conhecer um lugar que nunca imaginei ir, algo que foge completamente da minha realidade”.
Estudante de iniciação científica desde o segundo semestre do curso, Gonçalves trabalha na manutenção de três espécies de briófitas vindas da Antártica, cultivadas em laboratório. Além disso, desenvolve um projeto próprio dentro do Briotech, que também será o tema do trabalho de conclusão de curso. Ela investiga o potencial de quatro extratos naturais, obtidos a partir de musgos do cerrado, no combate a micro-organismos nocivos à saúde humana. “Esses extratos serão testados contra duas bactérias: Streptococcus mutans, considerada um dos principais agentes etiológicos da cárie dentária, e Staphylococcus aureus, conhecida por causar infecções hospitalares e por sua resistência a diversos antimicrobianos”, explica. “Isso acaba sendo um problema de saúde pública, tanto no Brasil quanto em outros países”.
As bactérias analisadas no estudo têm a capacidade de formar biofilmes, estruturas que funcionam como camada protetora e dificultam a ação dos antimicrobianos e do próprio sistema imunológico, dificultando ainda mais os tratamentos. Esses agentes patológicos “podem causar tanto problemas locais, quanto complicações sistêmicas. O controle delas é fundamental, principalmente em ambientes hospitalares”, alerta Gonçalves. A pesquisa busca tornar a prática clínica cada vez mais segura e eficiente, tanto nos consultórios odontológicos quanto em hospitais, onde o controle de infecções é essencial para evitar agravamentos no quadro clínico ou internações prolongadas.
Para além da atividade científica, a pesquisadora valoriza a experiência cultural e o crescimento pessoal proporcionados pela missão no Ártico. “O conhecimento se constrói com a troca de culturas, de saberes e também de experiências. E algo que a gente aprende desde cedo no laboratório é que ciência não se faz sozinho, se faz em equipe. Poder viver isso de perto, fazer parte disso, é algo que levo comigo não só como estudante, mas como pessoa.”