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A ciência brasileira acaba de dar um passo histórico no estudo das regiões polares. Pesquisadores brasileiros realizaram uma expedição à porção continental da Antártica, coletando dados fundamentais para a compreensão dos impactos das mudanças climáticas e para o avanço da biotecnologia. A missão, realizada entre 20 de fevereiro e 21 de março, reuniu cientistas de diferentes instituições, entre elas a Universidade Católica de Brasília (UCB), e trouxe descobertas promissoras para a ciência e para a preservação ambiental.
Em entrevista exclusiva, o professor Marcelo Henrique Soller Ramada, coordenador do projeto BRIOTECH da UCB, explicou que outras expedições à Antártica já haviam sido feitas pelo grupo, mas as coletas ocorreram em ilhas. Ele destacou os desafios enfrentados pela equipe em um dos lugares mais hostis do planeta. “A Antártica é um ambiente extremo, e cada atividade exige planejamento e preparo físico. A logística é complicada e o frio intenso dificulta todas as operações”, afirma. Segundo ele, a equipe enfrentou tempestades de neve e ventos cortantes, tornando a coleta de amostras um desafio constante. “Tivemos momentos em que foi impossível sair do navio. As condições climáticas mudam rapidamente, e isso exige flexibilidade e organização”, explica.
Thais Campos, pesquisadora mestre formada pela UCB, contou que a experiência impactou em sua vida para além da pesquisa. “Ir para a Antártica e passar tanto tempo fora exige muito mentalmente e fisicamente, mas poder conhecer aquele ambiente tão maravilhoso e único faz tudo valer a pena. Além disso, a viagem traz a oportunidade de conviver e trocar conhecimentos com pesquisadores de diversas áreas, o que torna toda a experiência ainda mais enriquecedora. Eu com certeza voltei de lá uma pessoa e pesquisadora diferente, eu diria que melhor em todos os sentidos”, afirma.
Além do frio extremo, os pesquisadores lidaram com a limitação de recursos e a necessidade de tomadas de decisões rápidas em campo. “Cada dia de missão foi uma corrida contra o tempo. Precisávamos coletar as amostras antes que o clima piorasse ou que a sensação térmica caísse a um nível que inviabilizasse o trabalho”, acrescenta Ramada.
Descobertas científicas e impacto ambiental
Durante a expedição, os cientistas coletaram amostras de organismos extremófilos, briófitas e microrganismos que sobrevivem em condições extremas. Ramada explica que esses seres vivos podem ter aplicações revolucionárias na biotecnologia. “Os compostos produzidos por esses organismos podem ser utilizados para criar novos medicamentos, especialmente para combater bactérias resistentes a antibióticos”, afirma.
As amostras serão analisadas em laboratórios na UCB, onde os cientistas buscarão compostos bioativos com potencial terapêutico. “Estamos particularmente interessados em substâncias com propriedades antibacterianas e antifúngicas. Com o avanço da resistência microbiana, encontrar novas moléculas naturais pode ser essencial para o desenvolvimento de inovações”, destaca o pesquisador.
Outro ponto de atenção foi o monitoramento das mudanças climáticas. “A Antártica é um indicador sensível das mudanças no planeta. O derretimento acelerado das geleiras e as fissuras observadas nas placas de gelo revelam um cenário preocupante”, alerta Ramada. De acordo com ele, os dados coletados ajudarão a entender melhor os impactos do aquecimento global e a desenvolver estratégias de mitigação. “O que acontece na Antártica reflete diretamente no restante do mundo. A perda de gelo afeta os níveis dos oceanos e altera os padrões climáticos globais”, relata.
Ciência e soberania ambiental
A participação do Brasil em pesquisas polares não é apenas científica, mas também estratégica. “Estar presente na Antártica significa ter voz nas decisões ambientais globais”, enfatiza Ramada. A UCB vem consolidando sua atuação na área com eventos como participantes no Simpósio APECS-Brasil, como integrante do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e com outros programas polares, como British Antarctic Survey (BAS).
Para Ramada, é essencial que o Brasil continue investindo na pesquisa polar. “Não se trata apenas de produzir conhecimento, mas de garantir que tenhamos influência nos debates internacionais sobre mudanças climáticas. Quanto mais dados geramos, mais argumentos temos para lutar por políticas ambientais eficazes”.
Próximos passos da pesquisa
Com os resultados preliminares da expedição, a equipe planeja as próximas etapas do projeto. “Nosso objetivo é ampliar as pesquisas e fortalecer o protagonismo da ciência brasileira nessas regiões”, afirma Ramada. O grupo pretende estabelecer novas colaborações com instituições internacionais, além das já existentes com o Joint Genome Institute (JGI), e expandir a investigação sobre os organismos extremófilos encontrados.
Thais anseia pelas próximas expedições e pelos resultados. “Estou muito ansiosa pelos próximos passos, pois o projeto tem muito potencial de fazer a diferença não só para a biologia e a ciência polar, mas também na vida das pessoas”, diz ela. Para Ramada, este parece ser apenas o início. “Ainda estamos apenas arranhando a superfície do potencial científico da Antártica. Cada nova descoberta nos aproxima mais de soluções inovadoras para a medicina, a indústria e a preservação do meio ambiente”, complementa.
Enquanto a equipe analisa os resultados da jornada, o Brasil reafirma sua posição no cenário científico internacional. Cerca de 200 amostras foram trazidas nesta última fase. O número pode ser discreto em relação à imensidão de gelo, mas o impacto dessa conquista promete ecoar por muito tempo no trabalho dos pesquisadores nos laboratórios.