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Provavelmente há uma mitologia brasiliense que
ainda está por ser narrada. O céu azul e a terra
vermelha ainda vão inspirar uma nova prosa,
uma nova ecologia: a dos capins sem fim.
Nenhum monumento, nenhuma exuberância.
Mesmo assim, por que é que o Cerrado
é fascinante? Deve ser a potência da
pura extensão territorial. Os sussurros da
imensidão ameaçada. O fim da distinção heróica
entre natureza e cultura. O choque incalculado
entre a arquitetura nacional e o Planalto Central.
Carlos M Teixeira, Brasília, cidade-Cerrado, 2020.
O Fórum Gramática dos Jardins: a natureza culturalizada, na sua segunda edição, estabelece pontes discursivas entre os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Paisagens Híbridas -GPPH-EBA/UFRJ e o Grupo Janelas do Cerrado, vinculado à Universidade Católica, ao Instituto Federal e ao Jardim Botânico de Brasília. Essa aproximação anuncia múltiplas possibilidades para pensar a paisagem e a cultura paisagística do Centro-Oeste no Brasil, tendo como tema central as relações socioespaciais e ambientais estabelecidas com o bioma do Cerrado. O interesse da parceria formaliza arcos de questões que colocam em evidência: (i) o potencial botânico do patrimônio vegetal do Cerrado; (ii) os desafios e tensões políticas e socioambientais dessa região e (iii) pontua o cotidiano de docentes, pesquisadores, profissionais e setores produtivos que atuam diretamente nas soluções paisagísticas implementadas no campo teórico-conceitual, metodológico e prático para o desenho da paisagem e a implementação de projetos paisagísticos.
Diante do elenco de questões levantadas, é importante destacar os ganhos que o Projeto Janelas do Cerrado têm alcançado a partir de um trabalho que integra ações entre o ensino técnico, a universidade e os diferentes grupos sociais. As tarefas desenvolvidas possuem em sua matriz atributos que visam a valorização da educação ambiental e da cultura paisagística no Cerrado através de pautas relacionadas tanto às políticas públicas que favorecem a preservação da paisagem, como também a implementação ou criação de instrumentos que podem ou não ser utilizados como agentes transformadores da sociedade, assim como a produção de uma paisagem qualificada ambientalmente e acessível a todas as camadas sociais. A propositura dessa abordagem e o acolhimento das narrativas resultantes do projeto Janelas do Cerrado têm oferecido renovados olhares para antigas práticas culturais referenciadas na relação sociedade e natureza; em particular, aquelas estabelecidas no Planalto Central do Brasil. Tal constatação abriu caminhos para se traçar paralelos com o conceito que rege o fórum Gramática dos Jardins: a natureza culturalizada em relação às prerrogativas conceituais, metodológicas e ações implementadas pelos estudantes, professores e pela comunidade envolvida no Projeto Janelas para o Cerrado.
O bioma do Cerrado possui uma variedade aproximadamente de 12 mil espécies que se destacam na paisagem a partir de formas, porte, cores e texturas, ou seja, visualidades que expõe o seu significativo potencial paisagístico. Diante disso, e considerando a pluralidade que define esse ambiente, surgiram perguntas instigantes para pensar como esse microcosmo botânico e as características do bioma poderiam ganhar protagonismo na paisagem urbana. Em que medida a utilização de espécies nativas no escopo de um projeto de paisagismo garantiria benefícios às diferentes escalas de intervenção na paisagem? Como seria possível ampliar a produção e o uso das espécies nativas? O uso dessas espécies garantem efetivamente a conservação do ecossistema e da biodiversidade do bioma local? Seria viável subverter o valor estético que vigora nos projetos paisagísticos das cidades do Planalto Central, valorizando as potencialidades do paisagismo com espécies nativas de uma forma racional e incentivando o uso que, no nosso entender, agrega inúmeros benefícios ao espaço e ao bioma local?
Essas são algumas das questões e possibilidades de reflexões que surgem no horizonte da edição de Brasília do Fórum Gramática dos jardins. Nosso objetivo prima por um diálogo interdisciplinar e, para tanto, convidamos profissionais, docentes e pesquisadores de distintas áreas ao exercício coletivo do reconhecimento e valorização do bioma do Cerrado no plano paisagístico e ao desafio de se discutir a paisagem e os jardins como herança cultural na história de Brasília.
Aline Stefânia Zim
Carla Freitas Pacheco Pereira
Rubens de Andrade
Brasília, 22, 23 e 24 de setembro de 2020 | 19h00
22-09-2020 | https://youtu.be/YrSSYOA5Yy4
23-09-2020 | https://youtu.be/wGGzzR2F1AQ
24-09-2020 | https://youtu.be/yFEJb1o0hVM