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Professores de Economia da Universidade Católica de Brasília fazem um panorama da crise mundial e falam como o Distrito Federal deve agir para minimizar os impactos
Neste início de século 21, um capítulo completamente novo dessa história está sendo escrito em resposta à crise mais brutal de nosso tempo. O aparecimento do coronavírus SARS-CoV-2, causador da infecção respiratória covid-19, pegou o mundo de surpresa. A doença que surgiu no centro da China, a princípio não foi levada muito a sério nas nações ocidentais. Em poucas semanas, porém, espalhou-se rapidamente pelos cinco continentes, assustando os profissionais da saúde pela facilidade de contágio e letalidade, especialmente entre os idosos. No início da última semana de março, o número de casos confirmados chegava a 380.000 no planeta, com 16.500 mortes.
Fora o contexto de saúde pública, o coronavírus está destruindo a economia global. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, ou clube dos países ricos), o mundo vai levar anos para se recuperar do impacto da pandemia. Angel Gurría, secretário-geral da entidade, afirmou que o choque econômico já é maior do que a crise financeira de 2008 ou a de 2001, após os ataques de 11 de setembro daquele ano. Um crescimento global previsto para este ano de 1,5%, disse, já soa otimista demais.
Para ele, é quase uma confusão de desejo com realidade acreditar que os países vão se recuperar rapidamente, mesmo que não se saiba estimar direito qual será o tamanho do desemprego e das falências empresariais.
“Praticamente todas as grandes economias do mundo entrarão, nos próximos meses, em recessão, ou seja, sofrerão declínio econômico por ao menos dois trimestres consecutivos”, destacou Angel Gurría.
É preciso entender o contexto econômico mundial. O novo coronavírus deixou claro como a indústria mundial depende da chinesa. Muitas companhias tiveram suas produções prejudicadas depois da crise que a China começou a enfrentar por conta do vírus. Empresários de países como Alemanha, Coreia do Sul, Japão, Itália, França e até os Estados Unidos, notaram a dificuldade que passariam daquele momento em diante para adquirir peças e outros itens produzidos pelos chineses.
No Brasil, a demanda por voos domésticos caiu 75% em março, a procura pelos internacionais recuou 95%, e as reservas em estabelecimentos de hospedagem até junho despencaram 90%. Esse foi só o começo. O setor de turismo sente primeiro o golpe desse tipo de crise, e os demais são atingidos em um efeito dominó. O retrato completo dos prejuízos só poderá ser visto daqui a alguns meses. Mas as estatísticas que vêm da China, que declarou o fim do pico do surto na primeira quinzena de março, mostram que as perdas podem ser muito maiores do que as inicialmente estimadas. Em sua primeira contração em quase 30 anos, a produção industrial do país asiático, maior parceiro comercial do Brasil, despencou 13,5% no primeiro bimestre do ano em comparação com o mesmo período de 2019. A projeção era de uma queda de 3%. As vendas do varejo recuaram 20,5%, mais de cinco vezes a previsão de 4%.
“Para fazer frente aos efeitos negativos da pandemia sobre a atividade econômica, governantes de vários países estão lançando generosos pacotes fiscais anticíclicos de estímulos à economia. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, anunciou na última semana de março o maior pacote fiscal de sua história, com gastos do governo alcançando a casa de 2 trilhões de dólares para garantir renda, emprego e sobrevivência de empresas afetadas pelos efeitos da crise nos diversos setores da economia. Os países do G-20, grupo formado pelos 20 países mais ricos do mundo, também estão preparando um pacote fiscal que pode alcançar a cifra de 5 trilhões de dólares em estímulos à economia mundial. Organismos internacionais caracterizados por recomendações de políticas econômicas de austeridade fiscal, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), mudaram radicalmente o discurso e também passaram a recomendar adoção imediata de políticas expansão dos gastos públicos como forma de estimular a atividade econômica, manter emprego e renda e garantir a sobrevivência de empresas. Juntamente com o Banco Mundial, o FMI solicitou suspensão de pagamento de dívidas externas pelos países pobres. Além disso, disponibilizou cerca de 2 bilhões de dólares em empréstimos extras a países emergentes e em desenvolvimento mais afetados pela pandemia”, destacou o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Católica de Brasília (UCB), Prof. Dr. José Ângelo.
O professor lembra que essa mesma estratégia de expansão dos gastos públicos como forma de amenizar os efeitos econômicos da pandemia vem sendo trilhado também pelo governo brasileiro, porém de forma mais comedida. O governo federal editou medida para auxiliar empresas pequenas e médias no pagamento de salários de trabalhadores que ganham até 2 salários mínimos por mês pelos próximos 2 meses, desde que não haja demissões de empregados. Haverá o pagamento de 600,00 reais para trabalhadores informais pelo período de 3 meses visando garantir o recebimento de uma renda mínima. O INSS antecipará o pagamento do 13º salário aos aposentados e os gastos com o programa Bolsa Família serão ampliados. Despesas com obras públicas serão mantidas e até ampliadas por alguns governadores estaduais. Essas medidas econômicas são muito importantes, porém ainda moderadas quando comparadas à atuação de outros países para fazer face à crise.
“Enquanto o pacote fiscal anunciado pelo governo e já aprovado pelo congresso americano, por exemplo, chega a quase 2% do PIB daquele país, os gastos previstos pelo governo brasileiro ainda não saíram do papel e alcançam patamar bem inferior. Portanto, há espaço e necessidade de uma atuação mais incisiva do governo brasileiro, tanto federal quanto local, para contrapor os efeitos negativos da pandemia sobre a atividade econômica, emprego e renda no país. O governo pode usar mecanismos constitucionais para abandonar, momentaneamente, dispositivos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal e apresentar uma política de expansão dos gastos públicos mais ampla, visando auxiliar indivíduos e empresas mais afetados pelas graves consequências econômicas da pandemia. Não é hora de se pensar em equilíbrio fiscal, mas sim em salvar vidas, também do ponto vista econômico”, ressaltou o professor José Ângelo.
O Prof. Dr. Matheus, coordenador do Bacharelado em Ciências Econômicas da Universidade Católica de Brasília, ressalta que as grandes crises provocam prejuízos extremos, mas muitas vezes são nelas também que a humanidade mais se desenvolve: “As crises representam a um só tempo prejuízo e oportunidades. Como bem disse Friedrich Nietzsche, ‘Aquilo que não me mata, me fortalece’. Sem dúvidas, enquanto indivíduos, muitos de nós morreremos ou teremos muitas sequelas pesadas para carregar daqui em diante; contudo, nós, enquanto humanidade, sairemos mais fortes. Aprenderemos a melhor nos relacionar com os outros, aprenderemos a dar mais valor à vida e aos bens materiais, passaremos a valorizar aspectos espirituais que antes estavam adormecidos, valorizaremos a presença, antes muito desprezada por tecnologias de comunicação remota”.
Para finalizar, o Dr. Matheus cita um artigo científico (GRANADOS e ROUX, 2009), que suporta o que ele tentou mostrar: “Este artigo mostra que, nos Estados Unidos, durante os anos principais da Grande Depressão (1929-1932), embora o desemprego tenha aumentado de 3% para 23% e o PIB tenha caído cerca de 15%, a expectativa de vida aumentou de 57,8 anos para 63,1 anos, assim como também se reduziu a taxa de mortalidade infantil e aumentou a expectativa de vida ao nascer. Todos estes dados e outros trazidos pelo artigo que citei, por mais contraintuitivos que pareçam ser, mostram um aspecto da realidade que muitas vezes é ofuscado por tanta dificuldade durante as crises: as novas oportunidades de nos aperfeiçoarmos enquanto pessoas. Acho que é sobre elas que devemos nos debruçar para que as crises não nos vença”.